quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Do Livro Mulheres Incríveis: Zeze Motta



Zezé Motta

Em 1975, eu estava me formando em Artes Dramáticas. No final do ano, fiz um teste e passei para Roda Viva, com uma produção do Teatro Oficina (José Celso Martinez Correa), e essa peça fortaleceu meu interesse pela política, confirmou que realmente era contra o sistema vigente. O período de ditadura me fortaleceu, pois passei no teste e a peça foi proibida, foi perseguida. Nós, atores, fomos espancados e expulsos de Porto Alegre por um grupo chamado CCC. Primeiro, a peça foi proibida no Rio de Janeiro. Nós fomos pra rua com classe artística e com o apoio do povo, conseguimos que a censura voltasse atrás, depois fomos para São Paulo e fomos espancados por esse grupo de extrema direita, o CCC. Depois fomos para Porto Alegre e este grupo pressionou o Governo. Ficamos só um dia com a peça em cartaz. No dia seguinte, a proibição se estendeu a todo território nacional. Quando se chegou a este ponto, já havia acontecido a morte do Edson Luis. Foi um período que marcou muito a minha vida. Estudei no Colégio Santo dos Anjos na Cruzada São Sebastião, que havia sido fundado por Dom Helder Câmara, um padre que estava sendo exilado e proibido pela censura de falar e, enfim, partidariamente, ele não podia ser pronunciar. Isto no final do ginásio. A seguir, entrei para o Tablado. Minha história começou em 1968. A morte do Edson e as perseguições a Dom Helder ocorreram no fim da década de 1960 e início de 1970. A partir daí, realmente, me tornei uma pessoa antenada politicamente, tornei-me de esquerda, porque vi que alguma coisa estava acontecendo de errado. Minha cabeça ficou muito inquieta com isso tudo. A sensação de impotência era infinita. Tive a sorte de ter estudado nesse colégio, fundado por Dom Helder. Lá, nós éramos muito politizados, havia um sentimento geral com a questão de o Dom Helder estar sendo perseguido e proibido. Ele não podia nem rezar missa como aconteceu com Boff, o Frei Boff. Passei muitos anos com esta inquietação, querendo fazer muita coisa, até que, em 1975, tinha muita vontade de realizar alguma coisa, sabia que deveria fazer algo, não sabia por onde começar, não tinha um discurso articulado, não tinha também um acesso à imprensa. Em decorrência da aprovação no teste, fui
convidada para o filme, que estreou em 1976. Então, com o sucesso do filme, porque foi um filme que estourou no mundo, comecei a dar duas a três entrevistas por dia. A questão da mulher e do negro, inevitavelmente, entravam nessas entrevistas, nesses depoimentos. Afinal de contas, era uma mulher negra conquistando um espaço de mídia. Ganhei todos os prêmios. Todos os prêmios que existem para cinema eu ganhei com Chica da Silva. Foram muitos: “Air France”,“Coruja de Ouro”,“Candango de Ouro”.Veio também “Personalidade do Ano”, “Mulher Personalidade”, “Dia Internacional da Mulher”, até a “Revista Playboy”. Nunca posei pra Playboy, mas apareci nua no filme e a Playboy me deu um prêmio. Isso me jogou na mídia de maneira assustadora. Percebi que, se quisesse fazer alguma coisa, se quisesse virar esse jogo, ter alguma participação, precisava me informar, precisava ter um discurso articulado, precisava afinar, estar preparada para isso.
Exatamente em 1975 e 1976, percebi que tinha que me estruturar para esse espaço, para ocupá-lo com dignidade e não falando bobagens nem fazendo bobagens. Foi aí que tive a sorte de abrir os jornais um dia e encontrar um anúncio de um curso sobre cultura negra no Parque Laje, ministrado por nada mais nada menos que Lélia Gonzáles, saudosa Lélia Gonzáles, grande
antropóloga, professora da PUC. Tive o privilégio de atender a esse anúncio. Lélia foi muito importante na minha vida. Na aula inaugural, ela disse o seguinte: “Eu sei por que é que vocês estão aqui. Eu quero deixar uma coisa bem clara: não temos mais tempo para lamúrias. Temos que arregaçar as mangas e virar este jogo”. Este recado foi definitivo na minha vida, porque eu estava mesmo querendo contribuir de alguma maneira. Coloquei isto na minha cabeça. Fiquei grávida deste pensamento até 1976 e ele nunca saiu. Fiz filmes com Cacá Diegues. Impregnada pelas informações passadas por Lélia, ingressei na política. Ela me levou para o Movimento Negro Unificado. Quando o Movimento foi inaugurado em 1971, participei assim, estando presente na escadaria, vibrando porque alguma coisa estava sendo feita pelos negros, mas só ingressei efetivamente no Movimento Negro em 1976, levada pelas mãos de Lélia Gonzáles. A Lélia me abriu os olhos para todas as questões políticas, da mulher, da sociedade, as leis desfavoráveis, deixando muito claro o que era ser mulher negra neste país. Fez-me perceber, também, que só quando você conquista um espaço é que se dá conta do quanto é difícil ser uma mulher negra no Brasil. Quando você não está competindo, você não está incomodando. Então, foi um período muito importante na minha vida, até quanto eu gerava este filho de 1975 e 1984. [...]

Leia essa e outras histórias no livro Mulheres Incríveis 3ª ed. – Editora Nandyala, autora: Elaine Marcelina

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