quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Do Livro Mulheres Incríveis 3ª ed.: Dona Rosa Dias

                                            



                                           Dona Rosa Dias (in memoriam)

Eu criei meus filhos na Vila Cruzeiro como eu fui criada pelos meus pais. Hoje, não se pode dar um tapa num filho e não se pode bater. Eu me criei trabalhando e apanhando do meu pai e da minha mãe, principalmente da minha mãe; então, essa foi a criação que eu tive e foi assim que eu criei meus filhos. Essa é a minha filha mais velha (Dora Lúcia). É quem mais sofre, porque ela que me ajudou a criar os outros, que vinham, que vinham, que vinham, mas tinha que estudar e trabalhar. Nunca abri mão. Eu sou analfabeta. Vim aprender com os meus filhos, depois de velha. Eu sendo analfabeta, nunca abri mão do estudo. Nem eu e nem meu marido. Nunca. Então, ela foi a primeira e quem mais sofreu. Uma garota doente. Não tinha dinheiro, nem boa alimentação, mas ela tinha que trabalhar e estudar. Trabalhar em casa pra me ajudar e assim foram vindo os outros. O abaixo dela, Maurício, era um garoto que não gostava de ficar na rua para fazer nada. Às três horas da manhã, eu já estava sentada perto do meu esposo, que era alfaiate, terminando serviço de mão para ele, porque hoje não tem esse tipo de costura, mas todas as calças eram chuleadas e era eu que fazia. Mesmo com todo serviço, era ele, Maurício, que me ajudava. Ele ia pro tanque, lavava roupa, esfregava, torcia, porque ele não gostava de rua. O Mauro, que era peralta, levado, mas extremamente trabalhador, ia para rua comprar linha para o pai, porque, naquela época, a linha era tudo de cor, todo certinho, era ele que ia à rua comprar. Eu falava: “Vai, Mauro, para rua. O papai tá lhe mandando” ou, então, “Vai para o tanque lavar roupa”. Foi assim que meus filhos foram criados. Tenho uma filha (Marize) em Recife, que é professora. Ela tem dois trabalhos. Trabalha no Estado e no Município, essa que ficou doente lá, que é uma benção de Deus. Tenho outra, a Mirinha, que não quis ouvir meus conselhos, estudou pra professora, fez um concurso e não passou. Levantou o narizinho e falou: “Nunca mais faço concurso, mãe. Vou fazer cabelo”. Não deu certo com cabelo. Hoje, o que ela é? É merendeira. Todo mundo sabe o que é merendeira. Foi trabalhar num CIEP com seiscentos alunos. Ela limpa sessenta quilos de carne por dia. Essa não quis me obedecer. Eu disse: “Minha filha, você foi criada como os outros e educada como os outros e faz da sua vida o que você quiser”. Ela não fala, mas eusei que ela morre de arrependimento. Professora primária formada. Fez o primeiro concurso, não passou, desanimou. Ela já caiu dentro do caldeirão no colégio. É a merendeira que o diretor mais adora, porque é de uma limpeza ao extremo. Ela limpa todos os banheiros da escola com a mão. O diretor fica maravilhado com ela. Minha filha, os meus filhos se criaram com a minha ignorância, apanhando, quando em pequeno, alimentando-se mal, porque meu marido era alfaiate, ganhava pouco e ninguém fazia fé num negro, que costurava bem, mas as pessoas não davam valor. Eles perguntavam o preço da roupa, ele dava e não faziam com ele. Iam levar para loja em que ele costurava. Uma vez, um senhor foi à minha casa para fazer uma roupa com ele, mas não aceitou dar a roupa a ele porque era negro. Ele pegou a roupa e levou para costureira. Ficou lá sentado e quando viu que quem chegou com a roupa foi meu marido ele comentou: “Uai, é ele que fez a minha roupa?”. O dono elogiou o meu marido, dizendo: “É o melhor alfaiate que tenho aqui. Só ele coloca manga para o Getúlio Vargas”. O meu marido já costurou até pro Getúlio Vargas, só que ele não aparecia, porque o negro era escondido lá nos fundos e só ficavam no balcão os brancos. Tenho um filho, o Mauro, que vendeu jornal, biscoito, sardinha, água. Mandei fazer uma balança igual um burro. Mandei colocar um pau nas costas, com uma lata de um lado e uma lata de outro e ele vendendo água no morro para ajudar a comida em casa, com a perninha fininha, mal alimentado, sopro no coração e ele tem por causa disso. Tenho outro. Ele e o mais velho foram pro SENAI. No dia que foram pro SENAI, eu fui levar os meus filhos, mas o mais velho era o grandão, o Maurício. O homem lá do SENAI falou: “A senhora teve que vir para trazer esse rapaz?”. Meu filho, até hoje, não anda sozinho, anda comigo, e foi para o SENAI. [...]

Leia essa e outras histórias no livro Mulheres Incríveis 3ª ed. – Editora Nandyala, autora: Elaine Marcelina






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