sexta-feira, 22 de abril de 2016

DÁ SÉRIE: NEGRAS RAÍZES


MEU CABELO MINHA IDENTIDADE

 

Um longo caminho trilhado até meus dreds atuais. Vamos às lembranças mais duras da vida de uma criança negra, neste caso sobre o cabelo, pois são muitas as nossas dores. Minha primeira lembrança eu ouvia minhas tias dizerem “Ivone passa alguma coisa no cabelo dessa menina, cabelo vermelho, de fogo” minha mãe dizia “vou trançar” ai vinham as trancinhas e minha mãe colocava umas bolinhas para enfeitar, fazer tranças doía, mas eu gostava porque como eu não morava com minha mãe, era a forma que eu tinha de ficar perto dela. Fui crescendo assim, entre uma trança e outra, feita nos fins de semana que ia para a casa da minha mãe. Nesta época tinha um programa de TV chamado “Os batutinhas” e nele tinha uma menina negra, e o nome dela era “Jovita” e os vizinhos passaram a me chamar de Jovita, eu na época não entendia porque, hoje entendo perfeitamente. Passada está época aos 10 anos fui morar com minha mãe e minha mãe era empregada doméstica, mas nos fins de semana ganhava dinheiro fazendo cabelo em casa, foi quando conheci o pente quente e o Marcel. Era um dia de sofrimento, primeiro eu passava o henê, era igual a um creme preto, passava no cabelo e deixava secar, ficavam horas, depois tirava e passava a massagem, mais um tempo, depois enrolava os bobs deixava secar e penteava isso durava o dia todo. E aí quando não enrolava com os bobs, deixava secar e minha mãe passava o pente quente, uma verdadeira tortura, era um pente de ferro e esquentava ele no fogão, quando ele estava bem quente, minha pegava um paninho, esfregava o ferro que estava em brasa e passava no cabelo e muitas vezes queimava a testa, eu gritava ai! Ela dizia “quer ficar bonita? Tem que sofrer?” Depois do ferro vinha o Marcel, para modelar, era uma espécie de tesoura de ferro e esquentava também no fogo. E por vezes o ferro ou o Marcel muito quente queimava o cabelo a ponto de cair e o pior era quando minha mãe dizia “Fica quieta agora é a vez dos parentes” era quando pegava na raiz do cabelo, muito sofrimento.
Passada essa época veio os alisamentos, pastas, ia fazer no salão de beleza, meu deus Porque nunca deixaram meu cabelo em paz? Alisava e lavava, porque a pasta queimava, alisava, colocava bobs e depois ficava no secador, uma hora, saia dali linda, mas no dia seguinte o couro cabeludo começava a minar uma água, eram as queimaduras da pasta, criava uma crosta quando secava. E daqui a uns dois meses tudo de novo. Quanto sofrimento.
Cresci e começaram os alisamentos importados, e as escovas para nosso cabelo, e nem todo mundo sabia fazer, e aí mais sofrimento.
Passado tudo isso comecei a usar tranças variadas e minha mãe dizia “tira essa trocha da cabeça, alisa esse cabelo, seu cabelo era tão lindo alisado” eu retrucava mãe gosto das tranças e quando tive minha filha, deixei o cabelo dela crescer natural e quando ela tinha uns quatro anos, pediu para fazer tranças iguais as minhas, minha mãe quase surtou. “Vai fazer essa trocha no cabelo? Igual da sua mãe?” Minha filha não sabia o que dizer, mas queria ser igual à mãe. E agora enegreci de vez, fiz os tão sonhados dreds, eu amo o crescimento deles, me vejo no espelho e amo minhas raízes, mas minhas raízes incomodam o outro, todo dia tem alguém que diz “você fica bonita com cabelo cacheado” ou “corta esse cabelo”, “faz relaxamento”. Enfim ainda não conseguiram deixar meu cabelo em paz, embora agora eu esteja totalmente em paz comigo e com minhas raízes, com meu cabelo e com minha identidade.
Elaine Marcelina

Rio, 10/12/2015

MUDANDO O RUMO DA PROSA


Ontem eu comecei uma reflexão que está sendo muito doida, estou mexendo e remexendo no meu “eu”, minhas atitudes, e entre uma neurose ou outra, entre uma justificativa e uma pergunta, nenhuma resposta até agora, somente a certeza de que estamos nesse mundo para ser feliz e para isso temos que ouvir nosso coração, nossa voz interior e seguir as pistas, sem titubear. Estou bem no meio de minha própria caixa de pandora, do meu triangulo das bermudas interno, a caixa quando abro sai é coisa, nossa! Nem eu tinha noção que tinha tudo isso dentro de mim. E aí fico perdida, mas na tentativa de me encontrar, me reconectar com o sagrado, com a mulher que sempre desejei ser e neste momento da vida percebo que estou muito distante dela, mesmo sabendo que ao longo de minhas quarenta e duas primaveras o que tenho feito é tentar encontrar um norte, um lugar no qual eu possa respirar, ouvir os pássaros e escrever, escrever, apagar, e tornar a escrever. Vou seguindo meus dias na certeza de que a cada amanhecer tento ver o brilho do sol, conversar com ele, ouvir seus conselhos, senti o vento e as mensagens que ele trás, ver as batidas das ondas e ficar ali contemplando, até que a brisa do mar me diga algo que intui, mas não tenho bem certeza se é intuição ou meu coração, ver a lua iluminando tudo e meus pensamentos a vagar, sempre procurando respostas, sei que não virão prontas, virão sempre como enigmas, como um quebra cabeça, e vou montando, tentando decifrar e é assim que tentarei mudar o rumo da prosa.

Elaine Marcelina

Rio, 10/12/2015

AS VÍSCERAS DA SOCIEDADE

AS VÍSCERAS DA SOCIEDADE
Hoje amanheci me perguntando se estamos prontos para ver as vísceras dessa sociedade. Vivemos uma vida tão superficial! Postamos nas redes sociais o que acabamos de comer, uma viagem, o pôr do sol, a família feliz do comercial de margarina, um sorriso largo; dizemos eu te amo a três por quatro, não esquecemos mais o aniversário de ninguém, porque o Facebook sempre nos avisa. É disso que estou falando: de ver a realidade, mas a realidade por detrás daquele prato bonito da foto, da selfie com a família, a viagem, que até pode ter sido a trabalho, mas a paisagem do caminho era linda...
Quem é que realmente sabe o fundo da verdade de tudo o que se coloca nas redes sociais? Quando penso nas vísceras da sociedade, penso nas minhas vísceras, nas nossas vísceras, pois nós que compomos essa sociedade, somos nós  que alimentamos as redes sociais, nós que damos ibope para as redes de TV, nós é que enchemos o supermercado Guanabara a cada aniversário e nós mesmos postamos fotos e charges do tumulto no “aniversário do Guanabara”.
Então, por isso, estou há dias com essa reflexão “martelando minha cabeça”, como diz uma amiga minha. Até que ponto sei como estou por dentro? Até que ponto minhas atitudes são saudáveis? Até que ponto estou tão doente como a maioria da população e não me dou conta disso?
Estas são as questões a serem pensadas hoje; questões a serem digeridas, assumidas e expurgadas, pois precisamos nos livrar dessa inflamação da alma, dessa doença invisível, que sabemos que temos, mas não assumimos; dessa dor que sentimos e não damos conta de imaginar de onde ela vem, onde está o fio da meada. E se não buscamos a origem de nossas dores, vamos deixando piorar até o ponto de, no momento em que abrimos nossas vísceras, talvez não dê mais tempo de curar as mazelas, de extirpar os tumores...
É assim que vejo o caminhar dessa sociedade da qual faço parte; não damos conta de saber a quantas andam as nossas vísceras, não suportamos ver, sentir, pegar, cheirar, porque nos sufoca saber o tamanho da infecção. Não suportamos pensar que, para caminharmos em busca da cura, teremos que nos unir, já que a união faz a força, e que juntos poderemos evocar um grande mantra de cura e libertação. Então, basta ter coragem para enxergar nossas vísceras para saber nossa real condição, se ainda temos jeito...
Creio que sim, creio que ainda há tempo, sempre há.

Elaine Marcelina

Rio, 8/4/2016.

Receita da felicidade

RECEITA DA FELICIDADE Ingredientes: 100 gramas de alegria 150 gramas de amor puro 500 gramas de bom humor 200 gramas de energia ...