Zezé
Motta
Em
1975, eu estava me formando em Artes Dramáticas. No final do ano, fiz um teste
e passei para Roda Viva, com uma produção do Teatro Oficina (José Celso
Martinez Correa), e essa peça fortaleceu meu interesse pela política, confirmou
que realmente era contra o sistema vigente. O período de ditadura me fortaleceu,
pois passei no teste e a peça foi proibida, foi perseguida. Nós, atores, fomos
espancados e expulsos de Porto Alegre por um grupo chamado CCC. Primeiro, a
peça foi proibida no Rio de Janeiro. Nós fomos pra rua com classe artística e
com o apoio do povo, conseguimos que a censura voltasse atrás, depois fomos
para São Paulo e fomos espancados por esse grupo de extrema direita, o CCC.
Depois fomos para Porto Alegre e este grupo pressionou o Governo. Ficamos só um
dia com a peça em cartaz. No dia seguinte, a proibição se estendeu a todo
território nacional. Quando se chegou a este ponto, já havia acontecido a morte
do Edson Luis.
Foi um período que marcou muito a minha vida. Estudei no Colégio Santo dos Anjos na Cruzada São Sebastião, que
havia sido fundado por Dom Helder Câmara,
um padre que estava sendo exilado e
proibido pela censura de falar e, enfim, partidariamente, ele não podia ser
pronunciar. Isto no final do ginásio. A
seguir, entrei para o Tablado. Minha história começou em 1968. A morte do Edson e as perseguições a Dom
Helder ocorreram no fim da década de 1960 e início de 1970. A partir daí, realmente,
me tornei uma pessoa antenada politicamente, tornei-me de esquerda, porque vi
que alguma coisa estava acontecendo de errado. Minha cabeça ficou muito
inquieta com isso tudo. A sensação de impotência era infinita. Tive a sorte de
ter estudado nesse colégio, fundado por Dom Helder. Lá, nós éramos muito politizados, havia um sentimento geral com a
questão de o Dom Helder estar sendo perseguido e proibido. Ele não podia nem
rezar missa como aconteceu com Boff, o Frei Boff. Passei muitos anos com
esta inquietação, querendo fazer muita
coisa, até que, em 1975, tinha muita
vontade de realizar alguma coisa,
sabia que deveria fazer algo, não sabia por onde começar, não tinha um discurso articulado, não tinha também um acesso à imprensa. Em decorrência
da aprovação no teste, fui
convidada para o filme, que estreou em
1976. Então, com o sucesso do filme, porque foi um filme que estourou no mundo,
comecei a dar duas a três entrevistas por dia. A questão da mulher e do negro, inevitavelmente,
entravam nessas entrevistas, nesses depoimentos. Afinal de contas, era uma mulher
negra conquistando um espaço de mídia. Ganhei todos os prêmios. Todos os prêmios que existem para cinema eu ganhei com Chica da Silva.
Foram muitos: “Air France”,“Coruja de
Ouro”,“Candango de Ouro”.Veio também “Personalidade do Ano”, “Mulher
Personalidade”, “Dia Internacional
da Mulher”, até a “Revista Playboy”. Nunca posei pra Playboy, mas apareci nua no filme e a Playboy me deu um prêmio. Isso me jogou na mídia de maneira
assustadora. Percebi que, se quisesse fazer alguma coisa, se quisesse virar
esse jogo, ter alguma participação, precisava me informar, precisava ter um discurso
articulado, precisava afinar, estar preparada para isso.
Exatamente
em 1975 e 1976, percebi que tinha que me estruturar para esse espaço, para
ocupá-lo com dignidade e não falando bobagens nem fazendo bobagens. Foi aí que tive a sorte de abrir os jornais um dia e encontrar
um anúncio de um curso sobre cultura
negra no Parque Laje, ministrado por nada mais nada menos que Lélia Gonzáles,
saudosa Lélia Gonzáles, grande
antropóloga,
professora da PUC. Tive o privilégio de atender a esse anúncio. Lélia foi muito
importante na minha vida. Na aula inaugural, ela disse o seguinte: “Eu sei por
que é que vocês estão aqui. Eu quero deixar uma coisa bem clara: não temos mais
tempo para lamúrias. Temos que arregaçar as mangas e virar este jogo”. Este
recado foi definitivo na minha vida, porque eu estava mesmo querendo contribuir
de alguma maneira. Coloquei isto na minha cabeça. Fiquei grávida deste
pensamento até 1976 e ele nunca saiu.
Fiz filmes com Cacá Diegues.
Impregnada pelas informações
passadas por Lélia, ingressei na
política. Ela me levou para o
Movimento Negro Unificado. Quando o Movimento foi inaugurado em 1971, participei assim, estando presente na escadaria, vibrando porque alguma
coisa estava sendo feita pelos negros,
mas só ingressei efetivamente no
Movimento Negro em 1976, levada pelas mãos de Lélia Gonzáles. A Lélia me abriu
os olhos para todas as questões políticas, da mulher, da sociedade, as leis
desfavoráveis, deixando muito claro o que era ser mulher negra neste país.
Fez-me perceber, também, que só quando você conquista um espaço é que se dá conta
do quanto é difícil ser uma mulher negra no Brasil. Quando você não está
competindo, você não está
incomodando. Então, foi um período muito importante na minha vida, até quanto eu gerava este filho de 1975 e 1984.
[...]
Leia essa e outras histórias no livro
Mulheres Incríveis 3ª ed. – Editora Nandyala, autora: Elaine Marcelina
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