A PROMESSA
Ela engravidou aos
dezessete anos de idade. Por conta disso foi posta na rua por seu pai. Gerou
sua primeira cria embaixo das marquises na zona oeste do Rio de Janeiro. Deu à
luz a uma menina, e nem assim seu pai cedeu. Nos primeiros dias dessa criança,
sendo criada embaixo das marquises, sem higiene nem cuidados, seu umbigo melou.
Sua irmã mais velha
implora ao pai para recebê-la de volta em casa. E ele aparentemente cedeu Disse:
“manda essa dona vir pra casa”, e ela vai toda contente, agradece à irmã e ao
pai... mas neste ínterim de euforia, ele diz “você pode ficar, mais está vindo
uma dona aí pra pegar essa criança”.
Ela deu meia volta, e
fugiu com sua menina nos braços, chorando sem saber o que fazer.Pegou o trem e
foi procurar uma casa de “família” para trabalhar.Mas uma casa que aceitasse
sua filha junto, e foi quando encontrou Dona
Catarina.
Ela a aceitou e foi
ajudar a cuidar da menina... Levaram ao médico, e é aí que ela chega ao
hospital com a filha nos braços, e o médico diz: “temos muito pouco a fazer”.
Então ela fez uma
promessa a São Sebastião, que se sua filha sobrevivesse a levaria aos pés do
santo, todos os anos, só com o short vermelho, uma fita vermelha, sem camiseta
e a vela na mão. Sua filha sobreviveu. Ela pagou a promessa. Durante sete anos
levou a menina aos pés do santo, e como se não bastasse seguir a procissão,
tinha ainda que beijar a fita todos os anos. E foi assim que essa mãe preta
embalou sua dor e sobreviveu com sua cria na casa de outra família.
É assim que muitas de
nós sobrevivemos até os dias atuais. Vencendo as barreiras, as dores, engolindo
as lágrimas, fazendo promessas e, cumprindo-as, seguimos adiante.
Hoje, quando ela passa
pela marquise com a filha, já adulta, passa um filme dos tempos em que ali era
a sua casa, o local onde gerou sua menina, a primeira. Corre no canto dos olhos
uma lágrima, a filha seca e diz: “mãe, já passou”. Ela sorri, olha para filha e
diz: “o tempo passou, minha pequena Flor de Ébano, mas as marcas, essas ficaram
na lembrança. Sempre que eu passar por aqui vou lembrar”.
E assim as duas
seguiram, deixando para trás a marquise que um dia fora seu lar. E ela diz
agora para a filha: se seu avô fosse vivo, ele iria se orgulhar de nós tenho
certeza. Ele fez aquilo de me deixar na rua, porque eu era muito nova. Naquele
tempo tudo era muito rígido na moral das famílias.
“Flor de Ébano, quero que você seja muito feliz. Eu lhe conto essas coisas para que
você saiba da sua história, não para fazer você sofrer.”
“Mãe, eu amo a senhora, e eu nem lembro essa época. Eu era somente
um bebê, e graças à senhora estou aqui, forte, para ouvir essa história e
seguir em frente. Todo mundo tem histórias, mãe, umas tristes, outras alegres,
mas todos temos histórias.”
E do fim da rua podem
avistar mãe filha, seguindo abraçadas, carregadas de suas histórias,
alimentadas por sua fé e indo, rumo a um novo caminho, mas ali unidas, tal qual
no período da marquise, quando o calor de uma servia para aquecer a outra.
Sendo que agora a mãe é acalentada pela Flor
de Ébano. Outrora era a mãe quem a acalentava. Essas duas mulheres terão
até a eternidade para se unirem, seus laços nasceram embaixo da marquise, mas
hoje a marquise é coisa do passado, e o amor de mãe e filha é o que as une
nesta vida.
Elaine Marcelina
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