MEU CABELO MINHA IDENTIDADE
Um
longo caminho trilhado até meus dreds atuais. Vamos às lembranças mais duras da
vida de uma criança negra, neste caso sobre o cabelo, pois são muitas as nossas
dores. Minha primeira lembrança eu ouvia minhas tias dizerem “Ivone passa
alguma coisa no cabelo dessa menina, cabelo vermelho, de fogo” minha mãe dizia
“vou trançar” ai vinham as trancinhas e minha mãe colocava umas bolinhas para
enfeitar, fazer tranças doía, mas eu gostava porque como eu não morava com
minha mãe, era a forma que eu tinha de ficar perto dela. Fui crescendo assim,
entre uma trança e outra, feita nos fins de semana que ia para a casa da minha
mãe. Nesta época tinha um programa de TV chamado “Os batutinhas” e nele tinha
uma menina negra, e o nome dela era “Jovita” e os vizinhos passaram a me chamar
de Jovita, eu na época não entendia porque, hoje entendo perfeitamente. Passada
está época aos 10 anos fui morar com minha mãe e minha mãe era empregada
doméstica, mas nos fins de semana ganhava dinheiro fazendo cabelo em casa, foi
quando conheci o pente quente e o Marcel. Era um dia de sofrimento, primeiro eu
passava o henê, era igual a um creme preto, passava no cabelo e deixava secar, ficavam
horas, depois tirava e passava a massagem, mais um tempo, depois enrolava os
bobs deixava secar e penteava isso durava o dia todo. E aí quando não enrolava
com os bobs, deixava secar e minha mãe passava o pente quente, uma verdadeira
tortura, era um pente de ferro e esquentava ele no fogão, quando ele estava bem
quente, minha pegava um paninho, esfregava o ferro que estava em brasa e
passava no cabelo e muitas vezes queimava a testa, eu gritava ai! Ela dizia
“quer ficar bonita? Tem que sofrer?” Depois do ferro vinha o Marcel, para
modelar, era uma espécie de tesoura de ferro e esquentava também no fogo. E por
vezes o ferro ou o Marcel muito quente queimava o cabelo a ponto de cair e o
pior era quando minha mãe dizia “Fica quieta agora é a vez dos parentes” era
quando pegava na raiz do cabelo, muito sofrimento.
Passada
essa época veio os alisamentos, pastas, ia fazer no salão de beleza, meu deus
Porque nunca deixaram meu cabelo em paz? Alisava e lavava, porque a pasta
queimava, alisava, colocava bobs e depois ficava no secador, uma hora, saia
dali linda, mas no dia seguinte o couro cabeludo começava a minar uma água,
eram as queimaduras da pasta, criava uma crosta quando secava. E daqui a uns
dois meses tudo de novo. Quanto sofrimento.
Cresci
e começaram os alisamentos importados, e as escovas para nosso cabelo, e nem
todo mundo sabia fazer, e aí mais sofrimento.
Passado
tudo isso comecei a usar tranças variadas e minha mãe dizia “tira essa trocha
da cabeça, alisa esse cabelo, seu cabelo era tão lindo alisado” eu retrucava
mãe gosto das tranças e quando tive minha filha, deixei o cabelo dela crescer
natural e quando ela tinha uns quatro anos, pediu para fazer tranças iguais as
minhas, minha mãe quase surtou. “Vai fazer essa trocha no cabelo? Igual da sua
mãe?” Minha filha não sabia o que dizer, mas queria ser igual à mãe. E agora
enegreci de vez, fiz os tão sonhados dreds, eu amo o crescimento deles, me vejo
no espelho e amo minhas raízes, mas minhas raízes incomodam o outro, todo dia
tem alguém que diz “você fica bonita com cabelo cacheado” ou “corta esse
cabelo”, “faz relaxamento”. Enfim ainda não conseguiram deixar meu cabelo em
paz, embora agora eu esteja totalmente em paz comigo e com minhas raízes, com
meu cabelo e com minha identidade.
Elaine
Marcelina
Rio,
10/12/2015
3 comentários:
Parabéns, Elaine Marcelina. A liberdade é difícil de ser conquistada. Viva-a com alegria e felicidade por fazer de sua filha um Ser Humano livre. Se algum dia ela desejar sofrer com um pente de ferro ardente será por vontade própria. Abraço
Parabéns, Elaine Marcelina. A liberdade é difícil de ser conquistada. Viva-a com alegria e felicidade por fazer de sua filha um Ser Humano livre. Se algum dia ela desejar sofrer com um pente de ferro ardente será por vontade própria. Abraço
Obrigada Jose, acho importante trabalhar a identidade dela desde cedo.
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